NÃO SE SALVA A ALMA PELA ARTE. A ALMA ALIMENTA AS MANDÍBULAS DA ARTE. A ALMA...QUE FALTA ELA NOS FAZ...POR ISSO, AQUELE QUE POR AQUI ENTRAR, DEIXE TODA ESPERANÇA DO LADO DE FORA.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O mundo em transe

Postado, em gravatas de ilusões, fio-me em qualquer ideia criada antes de sequer saber o mundo. As palavras saem em torrentes, vomitadas por uma alma que decidiu apostar na apatia. Sabe-se lá, mas entramos, eu e minha alma, nesse espaço jurado pela anemia: nada nos comove, nada nos move. Estatelaria os velhos ossos num sofá, por anos, se não fosse o instinto de auto-preservação. Por isso, bebo: nessas horas, corre a euforia de sentir-se pronto para colocar "No surprise" no último volume e desafiar as leis da física.
Os dias que se seguirão prometem o arrastar do ponteiro, lento e cadenciado, hipnótico e invencível. Postar-me-ei como quem tem o que dizer, para muitos que não têm o que ouvir. Nessa falácia, minha má vontade de olhares alheios açoitam meu corpo e espírito; continuo, portanto. A dor, fonte de endorfina, me alimentará pelas noites longas, pelos dias sonolentos e convencionais.

Estamos num transe, todos. Eu, no meu lar cuidado pela apatia. O mundo, girando em torno de si, na ilusão de andar para algum lugar que não seja vizinho ao meu.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

E a poesia dos dias inativos?
Será culpada a pressa que apressa essas palavras estresidas?
Qual o feitio da palavra palavra e das distintas?
Atenda meu recorrer, ó gente, pois feito pó, minha alegoria se refez, mas ressurgida assim, não para em pé.
Transpira a sentença dos galhos sem regras, espelhos abdicados, café espesso que enrosca e faz dos lábios e dentes um só, insólitos.
E a prosa dessa ligadura pro condenado descaso?
Faça-a abrolhar, assim, miúda, desidratando os velhos gentis, ofuscando os jovens de papel.
Borrife aura aos anti heróis dessa nação descalça e sem descanso.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Os olhos
             v
               i
                r
                 a
                   m.
Conta o especialista,
na palma suja.
Mesmo o dito de
coito,
doces gotas.
Perdes e
reconta
as crianças
descalças,
helenas
juradas.
Covarde.
Não arranque de medo
petúnias e
juramento.
Era o sonho;
ofereço ódio
ao sonho
de engano e bolero,
à quem nunca
sustenta
salto.
Baixo.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Entrudo

Eram entrudo aquelas cicatrizes em seu rosto.
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Evocavam o senhor efetivo da despovoada fidalguia de Mancha e o trotar de hipotéticos equinos na conquista de desérticos sonhos.
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Forjavam brasões gravados em escudos de inconstância, dor e sorrisos desfeitos sob o sol da manhã.
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Davam forma à malsã cinza de um rosto precocemente envelhecido e de palavras vagamente preenchedoras do abismo.
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Eram rídiculas as cicatrizes daquele entrudo defunto.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Cabaré In-titulado

Resumindo impressões exaustas e analógicas para as bregas núpcias de repetição.
E eu aqui, defenestrando minha podridão em direção aos dois queixos apoiados; um era cacos rematados e satíricos, outro seguia recussitado.
Inveterando o álacre, preferindo tudo o que não aos interesses alheios.
Não há seca nesse norte, há sombra na caixa íntima de um temporariamente, ménage à trois.
Os seis olhos não enxergam as palavras confessionadas, o eixo do globo some com os pensados confiáveis achismos.
Restauradores da incauta magia, servindo descrença à qualquer oratória crônica.
Vivamos a inchar nesse concerto silencioso, rachando crânios externos sem notar.
Se ao menos confundissem cantigas de roda com a corja comandada pela água infectada, roeriam folhas amarelas e não os próprios dedos.
Observa-se boatos paulistas, curvados ao vazio, de protetores e protegidos.
Suas feições são de carta branca, querem barroco no pagão, assim, não crucificariam verbos recém-nascidos, sacariam a doce bala, aqueceriam a banheira, despertariam na vida pós-caos profetizado.
Tudo isso sobrevoa um compromisso repudiado, vêem a velhice findando aqui.
Adormecidos estaremos à la Cocteau Twins.
Veremos até onde os repetitivos nomes e títulos, terão partes e sílabas contínuas.
Isso foi apenas um palavreA*do, se lhes convém a serventia.

* A parte contínua da palavra 'palavreado', a torna finita.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

“Cadáveres adiados que procriam” ou “Somos contos contando contos, nada”

Procriadores de palavras: proferimo-las com húmus em nossas bocas (as árvores se riem de nós e não podemos compartilhar da calma de nossos irmãos símios). Inconformadamente cadáveres adiados, alçamos voos de albatrozes nas mansardas de deuses ausentes. Perdendo a luta com a Iniludível, morremos de nós mesmos pousados em terra firme.
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Acabamos por nos perder em labirintos de espelhos estilhaçados. E contamos contos que nos inventam na universal solidão de sermos nada.

Limpando espelhos com pauladas

Defronte ao velho-novo espelho, espreito com o canto dos olhos, já temeroso, as mãos brancas e virginais produzindo o trovão: a mágica feita sem truques parece ainda mais impressionante. Sinto também um cheiro já conhecido, de tabaco tostado, de ossos saídos fresquinhos do forno do túmulo: a esse, já sabia o lugar. Mas o temor e a excitação decidem também fazer sombra, tapando a luz que me permitia ficar na ponta dos pés e olhar o espelho. Já não: pequeno, reluzo feliz agora a imagem do pó, acumulado no chão que insistia em fingir ser nuvem.

Abriu-se, como um ataque cardíaco, janelas em que entram o ar fresco, fabricado nas entranhas de um sonho difuso, cheio de móbiles e de um silencioso ensurdecedor: quando soa, soa o som de figuras que nunca deram-se as mãos, mas sob sua batuta, harmonizam-se numa estranha sinfonia. São convidadas as palavras que nunca foram vizinhas, mas a ditadura do sangue puro, da mente de três luas, dos olhos que percorrem por dentro, colocam todos os verbos na ordem inconveniente.

O júbilo do morto converteu-se, acompanhando a tal melodia, em novos passos, apanhados de uma árvore que presumia-se seca, esquecida no quintal de uma casa, perdida em alguma rua, que nunca deu em lugar nenhum, e teve sempre um espelho como beco sem saída. Quebrou-se o espelho e ofertou-se os olhos à soberania do acaso: alguém rasgou o livro dos vocábulos.

Crianças, uniram-se para recriar o verbo. Sem espelho, não havia porque mentir.

La chair est triste, hélas! et j'ai lu tous les livres

Palavras são flores e fezes, embora flores e fezes nelas não há. Existem instâncias insondáveis e incomunicáveis da contingência da vida. Estúpida ou brilhantemente vivida (o que no fim dá no mesmo), a vida não cabe em palavras e o lexema cachorro nunca haverá de latir.
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Imitação de vida, não da vida, são as palavras. Perscrutadoras de verdades que criam mitos, revelam nosso abismo de querer ser. Habitamos o intervalo entre a coisa-em-si e elas, esperamos pela salvação, anunciamos a luz e é a noite que, inexoravelmente, vem.
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Cansados, calamos. A tela e o papel não são mais preenchidos pela estranha ânsia de ser, ceticamente, Deus. O defunto se descobre mortal e enterra a pena na terra nenhuma. O símbolo perfeito deixa de ser buscado. O incêndio não mais se apaga com a água escrita. E deixamos de ser habitados por som, fúria, surdez ou mansidão.
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Na busca pela absoluta referencialidade, caímos do rés-do-chão para o rés-do-chão. Plantamos sementes, criamos raízes e colhemos a indiferença da ancestral evolução de nossa triste espécie. Esperamos: que fosse cumprida nossa biologia!
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As palavras, que não são – nem podem ser – flores ou fezes, habitaram novamente o ser habitado no vácuo que as palavras deixaram. Seres intervalares por excelência, dizemos espelho querendo dizer palavras. E, sofrendo a inexistente dor, escravizamo-nos novamente ao verbo. Clamando por ninguém em lugar nenhum.

O Tempo espreita nossa ceia

Pousaram os talheres, fingindo o barulho que distrairia das lágrimas.

Um fez-se em cantigas, excomungando, inutilmente, do peito a dor. Levou-se pelas estradas da música para o espaço da infância, já em prisma borrado, sépia de uma memória danificada por pedras desavisadas. Deixou-se carregar pela melodia antiga, para a cama de retalhos cerzidos à serões, sacrifícios, soluços engolidos. Era da mão da mãe a lembrança que queria em pele, e não distante. Das mesas em que as cadeiras ainda se ocupavam de corações virgens, intocados ainda pelo o que não sabiam que viria: o dia da mãe virar a esquina do escuro.

Outra fez-se intérprete de imagens que ninguém mais enxergava. Pôs as mãos no papel e traduziu a neblina, o fundo da garrafa, a lua em forma de pão. Alimentou-se por um tempo, sem postar mesa, sem arrumar pratos. Quieta, aérea e diabólica, escreveu os símbolos que perderam-se nas trilhas de coelhos que pularam em buracos, na pena brilhante do último albatroz, na calça puída do homem que abre a janela defronte à Tabacaria.

Em torno, os ruídos arrastados, do Tempo esperando, pacientemente. A comida esfriou. O leite azedou.Não se falou mais, em língua permitida ou em gestos de aproximação. A seu modo, cada um deu o boa-noite e cada um preparou seu próprio prato, sua própria recepção ao Tempo. Ninguém mais comeu.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Aquele pano no peito era tradução.
Decifra-te, pólen ambicioso das tardes pinceladas de saudade.
Almeja-te, cidade invisível pacificamente governada.
Escolhes-te o refúgio da vida, vendo passar na frente alguém perdido por um sorriso inesperado.
Ao passar bem por um desafio completo, se vê tola habituada, presa numa pele que rasteja e descasca, e não em uma alma que esquenta e amorena, vê em vãos das gaiolas da retina, a grama que aproxima corpos empalhados.
Ela, ávida de pergunta: A Estrela se escondeu depois que eu a descobri?
Com frio, a resposta retóricamente explode em espasmo, se perde ignorante.

Não escolheram passagem, dormiram bem, de baixo do estoque, ouviam as manivelas, ouviam o órgão motorizado, esqueciam um do outro.

Ouviam ecoando num cano próximo das orelhas, Paganini provocando a hipnose, e a mal sucedida tentativa da evolução mental, devorando eles, a ceia, a crise, o tempo.

O tempo devora o tempo devora o nunca.

Sentados sob o sol

Distantes, atomicamente, compartilhavam no entanto, do mesmo sol. Aquele que às vezes, preguiçosamente, risca o céu de abóbora e purpurina, indiferente aos destinos e as estradas sulcadas pelos bilhões que devem sua existência ao fato de que ele, o sol, não tem grandes crises.A crise, minúscula cosmicamente, é labirinto, Minotauro, tesouros e depois a perda do fio, para aqueles que a sente. É a crise de estar sob um sol e crer-se maior, banhado e justificado.

Distantes, cronologicamente, compartilhavam, sem saber, da mesma crise: de ter olhos. Ele, um antigo, moldado em estradas, em mentiras bem contadas, em danças frenéticas. Ela, dois: um cruel, feito de objetos agudos e afiados, aço de deuses esquecidos; outro, caleidoscópio, de flores ainda bebês, de cores ainda desconhecidas. A crise dos olhos valia pelo tempo que o sol insistia em iluminar o mundo: sentados, onde quer que fosse, via como os risos eram-lhe distantes, como as mãos enlaçadas eram-lhes estrangeiras, como a vida contida em crianças eram-lhe punitivas.

Sentados sob o sol, era-lhes um espaço mais adequado os dos trilhos de trem: sempre havia um outro trilho depois de outro e de outro. Não o percorriam. Sentiam apenas que havia trilhos e trilhos, debandados e espalhados, alcançando lugares que nunca iriam. Mesmo os pés já não eram mais do que obrigações, percorriam as mesmas alamedas, cumprimentavam da mesma forma os mesmos rostos. Era mais adequado pois o saber-se nunca ir era saber-se sempre estar. Isso ainda bastava.

Bastava, mesmo quando o sol, tocando a harpa panegírica do Tempo, insistiam em descobrir das sombras tanta energia em buscar fugir da crise. Pois era isso: ri-se, corre-se, ama-se, fugindo da crise. Busca-se os trilhos crendo que a velocidade é inimiga da imersão. Sentados, olhavam os bilhões que não imaginavam que, o sol, maléfico, se poria em alguns minutos, e restaria a sombra, trazendo de volta, ciclicamente, a crise que todos buscam roubar da vida. A crise, ela, senta-se sempre com eles e ceia.

Para eles, a crise passeia de mãos dadas e aponta para o horizonte, mostrando não para aonde se vai. Aponta para a saída que nunca existirá. Sentados sob o sol, distantes, sempre,a crise os acompanha e faz promessas de um tempo que nunca acontecerá.

Surdez e mansidão

Tens surdez jurada de contemplação, como um barco submerso, na qual a invenção do som é a invenção do ar.
Indisposto como quem beija uma imagem desbotada, manso como o abismo recaído entre fuligens arrebatadas.
Neurastênico que era, por pensar que não foi visto de cima, nem alcançadas as tuas enevoadas palavras.
Mia tua fé, acorda tua vista, e o dia segue como uma prosa em velocidade morta, de tão alta que conseguia ser.
Sente, talvez, aquele ou outro peixe costurando o belo convite de mesclar estorvos e linhas férreas, onde pousa no cais a película dos golpes surdos difusos no ar.

Som e fúria

Ela se faz em sons, que voam como pássaros exóticos antigos. Suas palavras são intuitivamente pinturas, dalianas, desconstruídas de chegar, mas cada sílaba percorre um mistério próprio, recria outros.

Ele ainda se faz de fúria. Daquele último resquício do fogo de Prometeu, que corrói suas entranhas. À noite, a dor sempre é amiga. Suas palavras querem chegar, com impaciência ao fim,como se cada gota de seu sangue fosse usado em histórias patéticas.

Sabe-se lá, para onde se vai, e como. Mas que seja com som e fúria; som combatendo a fúria, som e fúria se fundindo para dialogar palavras que não precisam e nem conseguem ter qualquer sentido, sem ser aquele contrário aos passos macios das vidas macias...

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Palíndromo e palinfrasia

Gosto dessa palavra: palíndromo. Significa literalmente "voltar pisando os próprios passos". Ou, em literatura, que uma palavra ou frase pode ser lida em qualquer direção que terá o mesmo significado. Esse pretensamente seria o jogo: mesmo sendo um jogo de pauladas, deliberadas, em forma de palavras, haveria o retorno. Que nem é tão longo, nem sobre passos diferentes. O problema talvez seja esse. Que não há grandes diferenças internas, mas as externas estão transformando-se em pesos excessivos e nossos ombros já não suportam (e, garanto, não pesam a mão de uma criança; antes: pesam o peso da existência que fora corrói até o miolo já corroído).

Mas sem a resposta, as palavras ficaram sem o eco; as pauladas morreram sem o som da carne e da alma sendo punidas; voltarar-se-á ao espelho, já maldito, já cansado.

Toda aventura só é particular na medida em que nossos olhos se distraem com coisas diferentes, mas no fundo a tristeza e a música compartilhada é a mesma: a sinfonia do ocaso, do pôr-do-sol antecipado, de uma derrota que se busca como destino. Pisamos em dentes-de-leões sublimados pela dança das pequeninas e frágeis folhas que dançam a última dança, mas continuamos. Sorvemos o último gole do néctar do esquecimento, extasiados com o fim da própria imagem, mas continuamos. Dançamos dionisicamente os passos dos condenados pelas obrigações fisiológicas, mas continuamos.

Palinfrasia: uso exagerado da mesma palavra. Continuamos...e se esse é o andar sobre nossos passos, que seja, pela última vez, com passos de quem pisa com raiva, com gana e com a leveza de quem sabe que, olhando para trás, só resta a redundância de ser tão comum e tão desnecessário como dentes-de-leão ao vento. Como gotas. Como a dança que chamamos por falta de um nome melhor de vida.

Volte logo. Meus passos aqui estarão.

domingo, 2 de janeiro de 2011

O jogo nem começou e já estou a me retirar. Que fiquem as palavras de quem as usa como pauladas.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Em nome dos deuses

Palavras de outros são máscaras que buscamos vestir, pois acreditamos que elas nos convém. Que elas nos mostram nos escondendo, atrás de uma fachada feita de som e fúria, mas alheia. Por isso, usá-las em vão é erguer altares em que nossas próprias são meras pústulas, meras flores secas.Nossas palavras, sendo colhidas em hortas alheias, secarão nossa própria alma, vivendo vidas que não são nossas e tendo olhares para nuvens que formam imagens que são feitas por corações que não batem em nossos peitos.

Vestimos os nomes dos deuses, esquecendo que somos pó. Mas somos, ao menos, esse pó que ainda suja as varandas do bom senso, do bom gosto e das boas intenções. Sejas pó, não mero verbo de deuses.