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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O Tempo espreita nossa ceia

Pousaram os talheres, fingindo o barulho que distrairia das lágrimas.

Um fez-se em cantigas, excomungando, inutilmente, do peito a dor. Levou-se pelas estradas da música para o espaço da infância, já em prisma borrado, sépia de uma memória danificada por pedras desavisadas. Deixou-se carregar pela melodia antiga, para a cama de retalhos cerzidos à serões, sacrifícios, soluços engolidos. Era da mão da mãe a lembrança que queria em pele, e não distante. Das mesas em que as cadeiras ainda se ocupavam de corações virgens, intocados ainda pelo o que não sabiam que viria: o dia da mãe virar a esquina do escuro.

Outra fez-se intérprete de imagens que ninguém mais enxergava. Pôs as mãos no papel e traduziu a neblina, o fundo da garrafa, a lua em forma de pão. Alimentou-se por um tempo, sem postar mesa, sem arrumar pratos. Quieta, aérea e diabólica, escreveu os símbolos que perderam-se nas trilhas de coelhos que pularam em buracos, na pena brilhante do último albatroz, na calça puída do homem que abre a janela defronte à Tabacaria.

Em torno, os ruídos arrastados, do Tempo esperando, pacientemente. A comida esfriou. O leite azedou.Não se falou mais, em língua permitida ou em gestos de aproximação. A seu modo, cada um deu o boa-noite e cada um preparou seu próprio prato, sua própria recepção ao Tempo. Ninguém mais comeu.

Um comentário:

  1. Não consigo comentar em língua civilizada a estupefação que o jogo poético de vocês tem causado. Portanto: Tomanocu!

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